sábado, 8 de agosto de 2009

Cena para um saco plástico

Tinha um gato no peito que miava e rasgava minha camisa. Um gato pilantra cujo maior divertimento era arranhar tudo, das cortinas aos sapatos, tudo em pedaços; eu gosto às vezes de pensar que era mentira, afinal, a essência dessa história é naturalmente mentirosa, quem acreditaria que gatos podem viver dentro de humanos? Pensar que é mentira faz com que eu me sinta num leve prazer, e reivindique a asma para justificar meus chiados felinos. A asma é uma doença que conta a trajetória do ar, ele entra grande nos pulmões e sai pequenininho, então existe a sensação de que não existe respiração, de que a morte é um sopro. A asma sem dúvida é a história do vento que entra tufão e sai brisa, e eu não sabia que as análises de cunho médico poderiam ser tão bonitas.

Mas se tratamos de gatos, vamos falar de gatos e não de bobagens. Quando eu falo de algo eu falo.

Falo desmedidamente.

A asma, entretanto, não pode ser descartada, porque também tem uma ligação intensa com a natureza dos gatos; eu, por exemplo, sofria de repentinas crises de asma ao entrar em contato com os sete gatos da minha prima. Todos os sete bichos traziam em si as sete etapas do sufocamento: o primeiro acendia uma coceira incômoda no nariz, o segundo era responsável pelas crises de espirro, o terceiro deixava meus olhos inflamados, o quarto começava a atiçar o afogamento interno, vedava minha garganta, hermeticamente. O quinto por sua vez tocava na parede dos pulmões, o sexto incendiava os brônquios, o sétimo e último era o alvo de toda a minha ira.


(...)

Os meninos da minha infância eram maus, colocavam gatos em sacos e jogavam-nos no meio da rua ou em algum rio; o que eu lembro é do grito terrível dos gatos aprisionados; lembro-me do som agudo de um desespero até então desconhecido pelos que vivem na infância.

O fim do gato que miava e rasgava minha camisa foi, da mesma forma, embalado por uma mágica expressividade sonora, ensurdecedora de todos os ouvidos. Já faz tanto tempo que nem me lembro do nome do bichano, nem de sua raça, nem de sua cor, era um desses que não se sabe bem o feitio, um desses que causam dúvida até nos mais comovidos veterinários. Mas esta merda é um gato ou uma porta? Ou um capacho? Ou um dilúvio?

Não sei, só sei que rasgou minha camisa.

O gato que miava e rasgava minha camisa está morto.

Foi que certa vez, no meu peito, tinha um rio e uma rua.



Texto de Paloma Amorim

(Esse texto ela me entregou no mesmo momento em que o Cléo chegou aqui em casa)


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