sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Pra Luiza


A Porta


Um dia eu entrei por uma porta em que as trancas, apesar de robustas e imponentes, eram fáceis de ser abertas: bastava tentar, e estar ciente de que você poderia entrar, ou não.
Eu sempre via essa porta correndo por aí, há muito tempo atrás, com outras portas com quem ela hoje não se abre mais.
Corria com as fechaduras abertas, quase sorrindo. Alguns se iludiam em pensar que esse quase sorriso era um convite para entrar: nunca foi. Ela nunca convida ninguém pra entrar. As coisas é que vão entrando, e ela não suporta por que não é uma barragem. Porta não é concreto. Tu. É feita pra se passar. Não sair. Pra sair existe a morte, o adeus; e não a porta. Não você.
Os segredos do outro lado, apesar de ter entrado e saído inúmeras vezes ( de vez em quando eu saio e não consigo entrar denovo. As trancas, apesar de fáceis de serem abertas, são robustas e imponentes) eu ainda não consegui descobrir. Um dia eu quase pude ver uma mobília empilhada de segredos lá dentro, mas as coisas acontecem tão rápido, e a gente nem dá importância pra mobília velha que às vezes cai em nosso pé e causa dor.
Ela me manda notícias quando corre pelo mundo; eu recebo cartas por debaixo das frestas. Às vezes pedem socorro, me beijam a memória, ou me deixam recados indicando por onde eu devo passar; cartas mal escritas com palavras estrábicas, presas em um clipe-de-papel de qualquer furta-cor. Sempre o mesmo clipe-de-papel.
Quando eu quiser sair e der o meu adeus, essa porta vai se encontrar em algum lugar do mundo correndo, ainda; e da sua fechadura há de cair duas gotas de óleo-de-máquina, e nesse momento vai nascerá um olho no lugar da sua fechadura de tanto nunca ver. Essa será a porta do meu caixão.

Um comentário:

caminhante noturno disse...

é bom sentir segurança no teu abraço novamente, ícaro. não se perde por aí, sou mesmo uma porta mas que de vez em quando precisa ser aberta(e não esquecida). as frestas mesmo que finas, são suficientes para que possam levar e trazer as cartas escritas por nossos passos.

meu sorriso pra ti sempre foi de verdade.